Histórias de Amor by almagemea.com.br
Intervalo

Out of space, but here
Out of time, but now


Eram quase oito horas da noite e ele não sabia porque ainda estava no escritório, jogando conversa fora. A secretária atende o telefone e diz: - É a Deborah.
Eram quase oito horas da noite e ele sabia exatamente porque ainda estava no escritório. Com as pernas disparando e o coração tropeçando, ou o contrário, conseguiu chegar ao telefone e desabafou:
- Oi... Tudo bem?
- Não.
- Que foi?
- Estou no orelhão, aqui embaixo. Você pode descer?
- Já estou descendo.
Apressado e ligeiramente desnorteado, pegou a pasta e saiu. Voltou, deixou a pasta, voltou novamente e pegou a pasta. Por fim, desceu no elevador e, se lhe perguntassem, não saberia dizer se estava ou não com a pasta embaixo do braço. Ficou imaginando o que seria o "não estar bem". De um certo ponto de vista poderia até ser positivo. Resolveu não pensar mais.
Deborah desligou o telefone e pensou: "Bom, o que está feito está feito." Não sabia muito bem o que estava fazendo, muito menos como tinha ido parar lá. Se parasse para pensar, talvez não fizesse nada. Do jeito que sua vida estava confusa, como saber o que era certo e o que era errado? O fato é que quase sem querer, mas querendo muito, estava lá. Acabara de ter uma forte discussão com seu marido. Sabia que ele tinha motivos para ter ciúmes do Alan, mas tentava se convencer de que não havia problemas. Alan era apenas uma pessoa especial e contra este fato não conseguia lutar. Mas, é claro, não trairia Mauro, o homem que escolhera para ser seu companheiro o resto da vida. Não queria mentiras, não queria enganar ninguém. Porém, ao sair de casa para respirar, só conseguiu ir em direção ao Alan. O que estava querendo?
Em meio ao turbilhão de pensamentos, avistou-o saindo do prédio. Por um breve instante, uma paz contagiante e uma alegria imensa a invadiram. Os olhares se cruzaram e os dois entraram no carro sem trocar nenhuma palavra, apenas um tímido sorriso.
Apesar do clima de tragédia, Alan não conseguia disfarçar sua alegria em vê-la. Nem Deborah. Foi preciso muito esforço para que um dos dois conseguisse esboçar uma frase inteligente e que fizesse sentido:
- Você quer ir a algum lugar? Quer ir com o meu carro ou quer que eu dirija?
- Não, eu dirijo.
O carro começou a andar e, sem dizer uma só palavra, iniciaram uma conversa. Era uma daquelas muitas conversas em silêncio que tinham, com ou sem palavras. Rodaram muito, mas voltavam sempre à mesma rua. Ficou claro que ela estava confusa quanto a que rumo tomar e queria sua ajuda. - Quero sair daqui, mas não sei para onde. Vai indicando que eu dirijo - disse ela. O ato de dirigir dava-lhe a sensação de força, de um certo domínio externo que absolutamente não coincidia com o total desnorteamento interno. Mas sentia-se cômoda por não precisar encará-lo.
- O que aconteceu?
- Briguei novamente com o Mauro. Estava tudo bem, tudo mesmo. Aí cheguei hoje em casa e ele estava atacado. Falou que não queria que a gente se encontrasse no teu escritório, eu fui tentar dizer que estava tudo bem e piorou ainda mais. Parece que ele adivinhou que a gente se viu hoje. Nem tive coragem de contar. Estava tão nervosa que resolvi sair. Ele perguntou se eu ia me encontrar com você... eu disse que não. Não era o que eu pretendia fazer...
Alan a olhava. Sentia-se bem e mal ao mesmo tempo. Queria tirar de dentro dela aquela angústia. Mas julgava-se responsável por tudo aquilo. E, para piorar ainda mais, estava feliz por estar lá, ao lado daquela mulher que lhe fazia tanto bem. Num ato de coragem, talvez por não saber o que fazer, perguntou:
- Você acha que eu sou a pessoa certa para te ajudar?
- Não sei. Não estou em condições de saber nada. Mas foi a única pessoa que me ocorreu.
Novamente, ficou claro que ela estava confusa quanto a que rumo tomar e queria sua ajuda. Colocou a fita que ele lhe havia dado naquela manhã: solua. A terceira da série. Alan sorriu. Os dois olharam-se com cumplicidade. Apesar de proibido e com tudo em volta dizendo não, uma beleza acontecia. Era um fato.
Alan também estava totalmente sem rumo, mas fingia saber para onde estavam indo. Por um acaso daqueles, passaram perto da casa onde Deborah vivera anos de sua infância e adolescência. Ela resolveu mostrar-lhe. Ele disfarçou as lágrimas dos olhos. Compreendeu aquele gesto como um compartilhar de intimidade. Sentiu-se mais próximo e, exatamente por isso, com mais dificuldade para dominar a situação.
Finalmente pararam em uma rua tranqüila, embaixo de uma grande árvore. A fita continuava tocando, deixando Alan encabulado, como se estivesse sendo flagrado por uma travessura. Teve vergonha das músicas que gravara e temeu que Deborah as interpretasse mal. Mas parte dele queria exatamente isto. Por entre as músicas, um silêncio pesado invadiu todo o espaço e imobilizou qualquer tentativa de dissimular. Não dava mais para adiar o coração. Estava acontecendo o que queriam, embora evitassem. Olharam-se. Nada se falavam, mas tudo se diziam. Ele segurou e beijou sua mão, como se estivesse beijando seu corpo inteiro. Tentava tranqüilizá-la. Ela, envergonhada de ter chegado até lá, misturava-se de culpa e felicidade. E uma verdade dentro de si dizia que queria aquele homem. Queria ser daquele homem. Era uma pureza muito grande, chamando para ser vivida. Um pouco sem coragem, mas com muita coragem, deixou esta verdade aparecer:
- Não sei o que é. Mas isto tudo não pode estar acontecendo por acaso. A gente já fez de tudo para lutar contra. O único jeito será viver esta história até o fim.
- Se a gente se beijar, eu não vou mais conseguir manter a minha atitude com o Mauro. Até agora eu sentia que tinha argumentos. Se ultrapassarmos esta fina linha, não vou mais poder encará-lo tranqüilamente.
- Acho que você não está entendendo o que eu estou querendo dizer...
- Estou sim. Quer que eu seja mais claro?
Deborah esboçou um sim com a cabeça.
- Você acha que devemos ir até o fim, inclusive dormir juntos. Não é isso?
Ela, num misto de vergonha, mas procurando em seu olhar alguma aprovação, murmurou: - É...
E agora? Tinham ido longe demais. Era um momento em que não podia acontecer nada e poderia acontecer tudo. Tinham que evitar o inevitável... o beijo. Até aquele instante poderiam, diante de tudo e de todos, e principalmente diante do espelho, dizer que não tiveram nada. Alan queria manter as coisas assim. Principalmente porque Deborah tinha certeza do seu casamento e da pessoa que escolhera. Se acontecesse qualquer coisa, seria complicado manter o que ela buscava. Ainda assim, olhava-a extasiado diante de tanta beleza. Carinhosamente, falou:
- Você é a pessoa mais linda que eu já conheci.
- Não é bem assim, você não me conhece. Eu sou difícil de lidar, sou meio...
- Deborah... te vejo toda.
Silêncio. A expressão daquele homem com rosto iluminado e o som de suas palavras entraram em Deborah com tamanha força, que paralisaram sua respiração. O mundo poderia ter acabado naquele instante de vida que ela não se importaria. Sentiu-se nua de corpo e alma, pois compreendia, sem entender, a verdade daquelas palavras. "Viver nos torna personagens de nossa própria vida", pensou. Naquele instante mágico dava-se conta disso, e cinco meses transcorreram em sua mente e na mente daquele homem que exalava amor ao seu lado. Nunca poderiam imaginar, tão ingênuos eram seus encontros, que estariam um dia vivendo tamanho impasse. Porque estava acontecendo tudo aquilo? Ela lembrou de sua sensação ao subir as escadas, timidamente, para a primeira reunião de teatro.